Dia das Mães: sobreviver e resistir

Minha vida mudou anos atrás quando veio à tona o conceito de carga mental. Então aquilo que eu sentia tinha nome e era compartilhado com todas as mulheres, principalmente as mães. Ficou muito mais fácil me acolher. Comecei também a questionar a quem serve a gente calar. A gente não falar o que sente, não descobrir que compartilhamos os mesmos sentimentos. Descobrir que o que sentimos é válido, injusto e tem início num contexto social e não dentro de cada história individual.


E em uma das fases que mais somos caladas é o puerpério. Uma angústia, um aperto no peito, tentativas de respirar em meio a um tsunami. Mas né, não podemos reclamar com um bebê tão fofo e saudável e uma parceria que até ajuda em tudo.


Depois eu tive contato com as ideias da feminista marxista Silvia Federici e tenho visto pulular em todos os cantos as reflexões sobre o trabalho reprodutivo não remunerado. Outra mudança enorme de perspectiva. Ainda que não seja algo reconhecido no mundo lá fora, aqui dentro de mim faz enorme diferença na hora de exigir direitos que me cabem. 

Mesmo não tendo um sistema que nos enxergue e nos trate com respeito e dignidade, ter conhecimento da importância e do peso do trabalho que fazemos é fundamental para que minimamente consigamos, individualmente, encontrar formas de seguir resistindo, lutando pelo coletivo e ao mesmo tempo tendo uma vida mais leve. 

Mas para ter contato com todas essas ideias, precisamos de tempo. Exaustas e atarefadas só damos conta de existir, não de questionar a existência.  Então a minha contribuição para o dia das mães é essa: refletir sobre como podemos ter tempo e energia para estudar, refletir e atuar de alguma forma para mudar a realidade.


O que tem feito diferença na minha vida, depois de ter consciência do quanto a carga mental drena as nossas forças, e do quanto o trabalho reprodutivo das mulheres é desvalorizado, é focar o meu existir em dois pilares: no MÍNIMO NECESSÁRIO das coisas, estabelecido de acordo com os MEUS VALORES. 


Mínimo necessário, porque dar conta de tudo, fazendo tudo bem feito é IMPOSSÍVEL! Sabem o cubo mágico? Que é impossível resolver tentando sozinha, mas enquanto não sabemos disso nos sentimos incompetentes por não conseguir? Somos nós tentando ser as mulheres mães perfeitas e sentindo culpa por não atingir este ideal. 


Também foi fundamental me dar conta de que todo trabalho que eu faço é importante e que é injusto ser cobrada por perfeição no que nem remunerada e/ou reconhecida eu sou. Faz parte do projeto de exploração das mulheres, do qual precisamos ter consciência. Xô culpa por não dar conta de tudo. Entender isso é o primeiro passo para ser capaz de fazer apenas  as coisas que são realmente possíveis sem nos adoecer.


Mas a seleção do que fazer é igualmente importante. Gastar os nossos limitados tempo e energia em favor do patriarcado e do capitalismo, sem estratégia, não tá com nada né? Aí que entram os valores.


O que é importante PARA VOCÊ, neste momento. Por exemplo, o que HOJE (porque é mutável) tem mais valor pra mim, o que é mais importante na minha vida? No MEU caso, a relação com a minha filha de seis anos é uma prioridade. NÃO PRECISA ser a de todas as mães em todos os momentos. O meu trabalho remunerado também é uma prioridade, por tudo o que me proporciona em conforto financeiro e em contribuição para a sociedade. Isso é o mínimo. O que mais eu consigo fazer, é lucro. E mais importante para MIM do que fazer 20 minutos de yoga por dia no meio de uma agenda interminável de coisas, é não ter uma lista interminável de coisas.


Para você as coisas prioritárias podem ser um hobby, uma formação, a sua saúde, ou ainda a estética, enfim, cada um tem os seus valores. 


Resumindo. Aprendi a avaliar: o que a minha cabeça está dizendo que eu preciso fazer agora é importante para MIM? Se for eu penso: como posso fazer isso gastando o mínimo necessário de tempo e de energia?

A pandemia me deu a perspectiva de que a vida é curta demais pra gente não se satisfazer em existir por alguns momentos, sentindo prazer com alguma coisa. Não tento mais ser “produtiva” 24h por dia, 7 dias por semana. E também não me cobro de “encontrar momentos de pausas todos os dias”. Tem dia que o bagulho é louco e o mínimo necessário para fazer tudo que é importante me exaure. Mas tem dias que tudo pode esperar e eu curto sem culpa.


Por último e não menos importante. Se estamos todas no mesmo mar (embora em embarcações diferentes) exaustas e/ou doentes, tem algo no contexto todo que não está certo. Temos responsabilidade por iniciar o caminho de mudança que será trilhado pelas próximas gerações.  Alerta de julgamento de valor: é mais importante ler, estudar e atuar política e socialmente do que gastar todo o tempo performando a dona de casa e mãe perfeita que esperam de nós.