Relato de parto

Relato de parto domiciliar planejado – versão estendida

Participantes:

Lunna – o bebê

Eu

O pai

Carol – a fotógrafa e amiga

Tanila – a enfermeira obstetra e amiga

Marilena – a obstetra e amiga

 (Sim, eu tive uma equipe de profissionais amigas e isso foi um grande privilégio).

PRELIMINARES

Completamos 37 semanas numa quinta. Trabalhei apenas até sexta, como planejado. Saí deixando todas as gavetas e arquivos organizados.  A partir daí seria só curtir o barrigão, organizar as últimas coisas e esperar a menina lá pras 40, 41 semanas.

Organizar as últimas coisas significava seguir um check-list.  Cabe detalhar que esse check-list tinha 57 itens, divididos em: chá de bênçãos (que estava agendado para o próximo sábado) / parto / Lunna / quarto / enxoval / clínica / casa.  Sim, parecia que estava me preparando para entrar num bunker aguardando alguma hecatombe, e tudo na minha vida deveria estar em perfeita ordem. Cumpri apenas 21 itens até a próxima quinta-feira, quando Lunna nasceu. E, pasmem!, sobrevivemos.

Como podem inferir, não tive chá de bênçãos (todas choram), mas, metódica que sou, havia posto os itens em ordem de prioridade, o que significa que tinha organizado tudo do chá de bênçãos  (pois é, perda de tempo) e para o parto. Exceto alguns detalhes e… o plano de parto.

Cheguei a fazer o plano de parto hospitalar, não apenas para o caso de necessidade de transferência, mas porque pretendia protocolar nas principais maternidades da cidade, e com sorte, suscitar alguma discussão acerca da humanização do nascimento. Não deu tempo. O plano de parto de verdade, inicialmente cogitei não fazer, alinhada que estava com as práticas da equipe que escolhi. Mas fui convencida pela própria equipe a pôr no papel as minhas preferências pessoais, e isto eu teria feito, tempo tivesse. Neste plano até teria um tópico “possíveis distócias emocionais”, onde constariam dois itens principais: dificuldade de abrir mão do controle/racionalidade (esse já tinham percebido né?) e angústia em incomodar os outros (guardem esta informação).

Pois bem. Quarta a noite fui eu e o meu barrigão para a roda do Coaracy. Antes da roda tivemos reunião eu, Carol e Tanila. Passei para as meninas as planilhas com a organização do curso de doulas que ocorreria no fim de semana da minha DPP, e que eu tinha esperanças de participar. Ali se fechava também as minhas atividades no Coaracy antes do parto.

Há algumas rodas eu já estava com uma postura mais de gestante do que de coordenadora. Nesta em especial estava particularmente envolvida. Foi sobre amamentação. Relatei os meus medos, me emocionei, chorei. Até hoje não consigo concluir se foi uma profecia autorrealizável ou uma previsão da minha história de amamentação… Mas isso é história pro relato de puerpério.

Chegando em casa dei uma olhada no cardápio da Babette Artesanal (hoje Ahorita Padaria Artesanal) que minha amiga Maria havia mandado. Eu queria encomendar umas comidinhas especiais congeladas para a equipe no parto. Juro que estava cheia de boas intenções, apenas faltou-me tempo. Foi mal, equipe! Não cumpri a principal demanda: comida boa e farta.

RELATO DO PARTO, FINALMENTE

Fui dormir às 23:30h. Duas horas depois, à 1:30h do dia 21/08/14, dia em que completava 38 semanas de gestação,  acordei com contrações. Já estava acostumada às Braxton-Hicks, que sentia desde as 20 semanas. Mas aquelas estavam diferentes, um pouco doloridas. “Oba! Estou prodromando!” Lembrei do que Tanila disse sobre descansar, mesmo que fosse trabalho de parto. Tentei ficar na cama, mas não consegui. Incomodava. “Ah! Já que não consigo ficar deitada mesmo, vou pra sala brincar no meu aplicativo de registrar contrações. Aprendo a usar pra quando for pra valer”. Contrações durando entre 30 segundos e um minuto. Intervalos entre 2 e 4 minutos. “Que estranho! Nos pródromos as contrações não começam com intervalo de uns 20 minutos? Mas cada corpo é um né? Nem tá doendo muito, não há de ser nada…”

Mas dali a pouco começou a doer um pouco mais. “Será, gente? Ah, claro que não. Vou tomar um banho quente, o falso trabalho de parto vai parar e eu vou pra cama descansar. Soninho…”. Vinte minutos de chuveiro depois (a minha consciência ecológica já estava gritando) e continuava com as contrações próximas.

Umas 3:30h acordei marido pra me fazer companhia e expliquei a situação. “Ah… Não deve ser nada. Trabalho de parto não começa com contrações a cada 20 minutos?” Mas eu já estava com contrações há umas duas horas. (Observem o tamanho da negação da pessoa que já havia lido dezenas de relatos de parto, com todas as configurações possíveis). Começou a bater um medo de a equipe brigar comigo quando soubesse que eu não estava avisando (já contei que são amigas né? E amigas podem brigar sim). Só que as meninas tinham emendado dois partos naquela semana, deviam estar cansadas, não queria acordá-las no meio da madrugada com um falso trabalho de parto. “Mas se ao menos estivessem mais espaçadas… Vou mandar uma mensagem no nosso grupo do whatsapp. Só vai ver quem estiver acordada”. Ninguém viu. Mandei mensagem pro whatsapp fora do grupo, porque só acordariam se estivesse num sono leve. Ninguém viu. O tempo passava, as contrações continuavam, resolvi ligar. Consegui falar com Carol primeiro.

– Carols, desculpa te acordar, eu sei que não é nada, mas tô com contrações de 3 em 3 minutos já há umas duas horas e achei que devia avisar pra vocês ficarem de sobreaviso.

– O quê?? De 3 em 3 minutos? Pera, tô indo praí. Vou ligar pra Tanila e Marilena e daqui a pouco a gente chega.

– Oxe, Carol! Mas Marilena não vem só em TP ativo? Vai ligar pra ela pra que?

– Daiana! Você está com contrações de 3 em 3 minutos!

Na dúvida, estendemos o plástico na cama, por baixo do lençol. E ficamos. Não por muito tempo, até que Carol chegasse.

Nos abraçamos e nos olhamos, eu e ela. Ali passou pela minha cabeça o bom tempo de caminhada até aquele ponto. O tanto de tempo em que desejei parir. As rodas de gestante quando ainda nem estava grávida. As conversas sobre parto. Os vídeos de parto compartilhados. E estava ali, chegando a minha hora de viver tudo aquilo. Mesmo que ainda fosse demorar umas semanas.

– Carol! Você é doida! Pra quê ligou pras meninas? Não é nada. Uma dorzinha besta!

– É? Dorzinha besta? Vamos ver…

E entrou com seu colete de fotógrafa e seu equipamento, cheia de coisas. Pouco depois estava na janela, registrando os primeiros raios de sol.

Dali um tempinho chegou Tanila, esbaforida, parecia que tinha saído direto da cama, de moletom e camisa de malha.

– Tani chegou pra festa do pijama!

E ela entrou. Cheia de coisas. E Marilena chegou. Cheia de coisas. E todas essas coisas foram espalhadas pela sala, e começou-se a inflar a piscina. E foi medida a minha temperatura e pressão. E eu comecei a entrar no clima: parece que estava acontecendo mesmo…

Mas parecer que estava acontecendo não foi motivo para eu acreditar que estava mesmo acontecendo. Ainda passei muitas horas perguntando qual a probabilidade de não ser trabalho de parto verdadeiro.

As contrações não eram constantes e em determinado momento começaram a espaçar “Tá vendo? Não era trabalho de parto. Mobilizei vocês a toa”. Uma hora Carol falou: “sabe o que? Eu acho que é o seu corpo pedindo pra você descansar. Você não dormiu quase nada. Vai pro quarto e deita um pouco”. Obedeci. Acho que não consegui ficar nem 15 minutos até voltarem e dessa vez mais fortes. Ela estava certa, eu precisava relaxar, acreditar, me entregar.

Mas era difícil me entregar. Não que eu resistisse às contrações. Não era isso. Mas era difícil não ter medo que elas parassem de repente. “Parada de progressão” era o meu fantasma. Morria de medo de acontecer e eu precisar ir para o hospital. Por conta desse medo eu defini que ninguém além da equipe saberia que eu estava em TP. Não queria interferência absolutamente nenhuma. E foi esse medo também que me impediu de entrar na piscina até a fase de transição. Na minha cabeça entrar na piscina me faria relaxar, e as contrações iam parar, e eu precisaria de transferência. 

Então eu lidava com as contrações fora da piscina. Na fase latente Carol fazia uma bruxaria: apertava o meu quadril e a dor sumia. A vocalização se transformava num gemido de prazer. Chegava a ser engraçado. Tanila também fez uma massagem dos deuses. Hummm… Sem contar que eu desenvolvi uma técnica própria de me auto massagear na parede (pra não incomodar ninguém toda hora, veja bem…).

Da fase latente, quando as contrações eram bem tranquilas e estavam mais espaçadas,   lembro de algumas coisas, sem ordem cronológica:

– Como não deu tempo gravar a playlist do parto (estava no check-list) deixei tocando as músicas do meu celular mesmo. Entre elas tinham algumas que foram baixadas automaticamente numa promoção do iTunes e que eu sempre pulava quando estava escutando no carro. Uma delas era um pagode de Psirico. Não foi o Lepo-lepo como planejado (piada interna surgida no Siaparto), mas nós dançamos o Dançation né, Tani? Até uma contração acabar com o meu glamour e sensualidade.

– Outra destas músicas era “De manhã”, de Caetano. Cantada por Marcelo Camelo, também sempre passava batida. Mas naquela manhã, ainda cedinho, eu consegui ouvir o que ela dizia:

É de manhã
É de madrugada
É de manhã
Não sei mais de nada
É de manhã
Vou ver meu amor

É de manhã
Vou ver minha amada
É de manhã
Flor da madrugada
É de manhã
Vou ver minha flor

Vou pela estrada
E cada estrela
É uma flor
Mas a flor amada
É mais que a madrugada
E foi por ela
Que o galo cocorocô

E choramos. Foi na madrugada que se anunciou a nossa flor, a nossa amada, íamos vê-la, finalmente…

– A saia! Comprei uma sainha pra usar durante o parto. Não queria que o vídeo ficasse muito “explícito”. Mas cadê a saia? Passei vários intervalos de contrações procurando a tal da saia. E só fui encontrá-la outro dia. Felizmente marido deu outra idéia que funcionou bem.

– O altar de parto. Estava nos itens não atendidos do check-list. E eu não cansava de me lamentar: “poxa… não deu tempo fazer o meu altar…”. Até que Tanila cansou do mimimi e deu a idéia: “Por que você não monta o seu altar agora? Eu acho que vai ser importante pra você”. E foi. Foi um dos momentos mais fortes do meu trabalho de parto. De uma caixa de sapatos e enrolado num pano para não danificar eu tirei uma imagem de Santo Antônio. Imagem essa que fez parte da minha infância. Ele ficava num nicho do quarto da minha avó, e havia sido da mãe dela, e sabe-se lá de quantas gerações anteriores. Gerações de parideiras. Minha avó, minha inspiração, meu exemplo, minha força e confiança. Senti a presença dela naquele momento. Chorei. Muito. Como não chorei de dor em nenhum momento. As lágrimas que eu lembro no meu parto foram só de emoção.  Esvaziei três porta-retratos que tinha no escritório. Em um coloquei uma oração que minha avó me deixou, escrita num papel já amarelado, com a sua letra linda, de quem não foi alfabetizada numa escola. Em outro tinha uma foto minha e dela. E no terceiro tinha uma foto da minha mãe me amamentando, dias depois de ter me parido. Cumpria ali a minha promessa de fazê-las presentes no meu parto, ao mesmo tempo em que deixava palpável as minhas inspirações.

Depois da emoção do choro, momento comédia: eu não conseguia fechar um dos porta-retratos. Tentava de um jeito, de outro, virava de cabeça pra baixo… “Eu acho que eu emburreci durante as contrações” e caímos na gargalhada.

Era esse o clima. Batíamos papo, dávamos risadas, tomamos um café da manhã numa mesa que não sei como marido deu conta de montar lindamente com o que tínhamos em casa. Estávamos numa linda celebração entre amigos, e eu só estava parindo. As contrações eram absolutamente tranquilas. Doía a lombar, mais que a barriga. Não lutei contra nenhuma. Sabia que era assim mesmo. Sabia que ia passar. E sempre passava. Não achei que conseguiria vocalizar. Mas vocalizei em todas e foi ótimo. As massagens também ajudavam bastante, a despeito da minha impressão anterior de que eu não gostaria de ser tocada durante o meu trabalho de parto.

Aliás, falando em toque, não houve nenhum exame de toque. A progressão era acompanhada só pela ausculta de Tanila. “Sério, Tani, que eu tô parindo mesmo?”. “Daiana! Eu já estou escutando o coração dela cá embaixo! Eu sou sua enfermeira, e eu estou dizendo que você está parindo!” Então tá né?

Perceber que tudo estava correndo bem era tudo o que eu precisava para ficar tranquila: o acompanhamento de Tanila, as conversas delas na sala, até o pai que precisou trabalhar pelo notebook em alguns momentos me mostravam que estava tudo bem, tudo certo, que eu só estava parindo, simples assim…

Até que chegou um momento que as coisas começaram a embaçar. As contrações ficaram mais intensas e próximas, as vocalizações mais potentes. Uma pessoa da equipe, que eu não vou contar que era Carol, até parou de fazer piadinha porque eu disse que aguentaria não lembro quantas horas de TP: “quantas horas mesmo você ainda aguenta?”. Bullying obstétrico, a gente vê por aqui.

Tanila se compadeceu da minha situação (ô drama) e como eu ainda me recusava a entrar na banheira para não parar a progressão do parto (engole o riso!), me ofereceu o chuveiro. Sim, era gostoso, mas não resolveu o problema. As massagens ainda ajudavam. A banqueta não foi tão confortável, aumentava a pressão “lá embaixo”. Não sei quanto tempo fiquei no chuveiro, mas foi tempo suficiente para aceitar ir pra banheira.

As vocalizações já estava descompensadas. Lembro de ter pedido uma toalha para colocar na boca, afinal a piscina ficava na sala, que é mais próxima do corredor do prédio, e eu não queria incomodar os vizinhos. Mas chegou um momento que eu não estava mais nem aí pra vizinho nenhum, e a toalha foi pra longe.

A piscina foi uma delícia. Relaxava entre as contrações, mas os intervalos já estavam bem curtos. Em pouco tempo eu não conseguia mais deitar na borda, porque não dava tempo ficar de quatro antes da contração me pegar de jeito, e deitada doía mais!!!

Nesse período de transição que passei na piscina já estava entrando na partolândia. Mas do meu jeitinho, sem perder completamente o controle, a racionalidade. Lembro de ouvir as conversas, mas não conseguir interagir. Lembro da fotógrafa ter surtado com um desejo meu, de ter pétalas na piscina (também estava no check-list) e começou a ligar para floriculturas, tentando encontrar um delivery The Flash naquele momento. Na minha cabeça eu gritava “esquece pétalas! Não quero mais!”, mas não saia nada, até que desistiram das tais pétalas… Lembro de começar a tocar Beatles, e cantar meio que me mantinha na partolândia…  Lembro de Marilena dizer baixinho, achando que eu estava em transe: “Alguém limpa aquele chocolate do dente dela”, eu mesma passar a língua para limpar, e todo mundo cair na risada… Lembro da escolha do almoço da equipe, que foi pedido num restaurante, porque se vocês lembram, eu não providenciei às 37 semanas, como recomendado… Ou será que as meninas desceram para almoçar num restaurante natural que tem aqui do lado? Não lembro… Mas lembro do primeiro puxo que anunciou o expulsivo…

Foi um susto! Eu já tinha aprendido que ninguém precisa mandar a mulher fazer força, porque o corpo sabe o que fazer. Mas na minha cabeça funcionaria mais ou menos como fazer cocô (aqui começa a parte, digamos, mais fisiológica do relato. Fechem os olhos.): o corpo daria um sinal que estava na hora, e eu faria a força. Mas nããããooo!!! Cheguei a olhar para Carol num determinado momento e perguntar: “Que força é essa???”, ao que ela respondeu que aquela força era eu, era o meu corpo. O puxo é um negócio potente, a força já vem feita lá de dentro. Não precisa “fazer” força, porque não tem a opção de não fazer força. Você pode aceitar ou não. E eu não aceitei completamente no início…

Passado o susto do primeiro puxo, o que me assustou foi outra coisa (eu já avisei pra fechar os olhos?). A pressão “lá embaixo” de ficar um tempo sentada na banqueta deu uma forçada numa veia que já estava um pouco inflamada na última semana (e que é normal acontecer na gestação). Daí, na hora dos puxos, dava uma impressão de que ia acontecer uma catástrofe, se é que você me entende. Então eu não me entregava ao puxo, tensionava. Cheguei a tocar o meu períneo e comentar “tá muito rígido”. Marilena ofereceu uma compressa quente para ajudar a relaxar, mas eu não quis. Aliás, eu não queria nada. A impressão que eu tinha é que o rio estava correndo no caminho certo e qualquer interferência poderia mudar o curso. Rejeitei a compressa, rejeitei de olharem se a cabeça já estava aparecendo (“não tem nada aqui ainda!”), rejeitei mudar de posição. Só não rejeitei os olhares carinhosos e confiantes.

Voltando aos puxos, eu não me entregava, tinha medo. Tinha medo do que poderia acontecer se eu me entregasse, mas também tinha medo de não me entregar, afinal não tinha mais opção: tinha que botar essa menina pra fora! Foi o único momento de insegurança. Encontrei o olhar de Tanila e perguntei, meio que afirmando, meio que precisando de um reasseguramento: “Eu vou conseguir, não vou?”. “É claro que vai, Dai! Você já está conseguindo!”. Era comigo, eu pre-ci-sa-va conseguir, precisava encontrar meios de me entregar. Acho que foi ali que tive uma ideia “brilhante” (vai vendo as idéias brilhantes que surgem da partolândia). A idéia brilhante era dar um suporte com a mão lá atrás, para conseguir liberar a força cá na frente. No primeiro aperto que eu dei, rompi a bolsa (sim… talvez ela nascesse empelicada. Não havia saído nada de tampão antes do TP e a bolsa só foi rompida naquela hora, por mim. Vi que o líquido saiu meio amarelado, mas não liguei: um pouco de mecônio é normal durante o expulsivo. Depois é que Carol me contou que antes de Lunna nascer saiu mais um monte de mecônio escuro, e que ela se preocupou muito, pensando numa possível transferência. Não vi nada disso.

Voltando novamente: a idéia não estava dando certo. Segurar não ela a melhor forma de relaxar, concordam? Tenho a impressão que senti um círculo de fogo, e a cabeça dela voltou. (Depois senti novamente quando ela nasceu). Sorte que Tanila foi lá atrás e viu o que eu estava fazendo e disse:

– Dai, você precisa deixar acontecer. Solta.

– Mas vai rasgar tudo!

– Não vai não. E se rasgar a gente conserta (ou algo assim, não lembro mais, só sei que me tranquilizou). Deixa Lunna nascer.

Foi quando eu liguei o f*-se e deixei a força vir de vez. Deixei o meu corpo trabalhar, fazer o que ele sabia fazer desde o início. Era uma força tão avassaladora que ainda dava medo, mas era o que tinha que acontecer. Não tinha como lutar contra a corrente daquele rio caudaloso que corria arrastando tudo. Me entreguei.

E foi assim que, sozinha, de joelhos, dentro da piscina na minha sala, eu ouvi a frase “pega ela você…”. Olhei pra baixo e vi um vulto branco saindo do meio das minhas pernas. Peguei enquanto sentia o corpo escorregar para fora de mim (ou já havia saído toda?). Alguém pegou da minha mão, desfez uma circular de cordão do pescoço, e me devolveu. Eu olhava embasbacada aquele ser chorante como se só naquele momento me desse conta de que existia mesmo um bebê na minha barriga. Olhei pra o pai que chorava na borda da piscina e falei: “foi a gente que fez…” Assim nascemos.

Ela chorava, chorava com força, uma boquinha quadrada que faz até hoje, e que até hoje me remete àquele primeiro choro. Tinha muito vérnix, um cheirinho inebriante. Só depois eu soube que nesse momento as meninas estavam chorando, e se abraçando, e comemorando. Se não vi na hora é porque foram sensíveis, respeitosas e discretas, como toda equipe deve ser.

FINALMENTES

Depois de um tempo me perguntaram se eu queria sair da água. Só então percebi que já estava fria, e pedi pra sair. Me levaram pra cama, eu ainda carregando Lunna ligada no cordão. Nos pés da cama, mesmo com uma toalha embaixo, derramei um tanto de sangue. A Dona Controladora voltou com tudo. “Que tanto sangue é esse? É hemorragia? Não me escondam, me contem tudo”. Disseram que não, mas eu só acreditei quando vi que estava todo mundo muito tranquilo. Era sangue de parto mesmo. Normal.

Alguém tirou o meu top e eu deitei na cama, Lunna sobre a minha barriga, pele a pele, aguardamos que ela fizesse o breast crawl, que ela seguisse o instinto de buscar sozinha o peito (www.breastcrawl.org). Não lembro quando tempo demorou, nem se tivemos paciência de esperar até que ela chegasse e colocamos direto no peito. Pra falar a verdade não lembro da primeira mamada dela. Talvez tenha a ver com a história posterior de amamentação, mas voltando…

Pouco depois de deitar na cama, senti uma contração: “o que é isso???”. Era a placenta, claro. Todo mundo esquece dela logo depois do parto, ou fui só eu? Caraca, como doíam as contrações!! Não sei se por eu estar deitada (como mulheres conseguem parir nessa posição?) ou se por saber que não tinha mais o prêmio do bebê no final, só sei que foi muito, muito incômodo. A vontade que eu tinha era de mandar alguém puxar ela de lá. Mas sabia que não podia. Tanila sugeriu que eu mesma fizesse massagem no meu útero, e foi o que eu fiz, devagar, sentindo o meu corpo, até que ela saiu. E a controladora de novo: “e aí? Tá inteira? Me conta tudo. Ficou algum pedaço?”. Sim, estava inteira. Mostraram, me explicaram as partes, perguntaram o que eu queria fazer. (Hoje jaz sob um pé de pitanga, que pouco depois deu seus primeiros frutos no quintal de Tanila). Só então o cordão foi cortado pelo pai. Caraca!! Eu pari!! Terminou!

Marilena fez a vistoria do meu períneo, observou uma laceração superficial e me deu a opção de suturar ou não, já que ela cicatrizaria naturalmente. Optei por receber três pontos, depois de uma anestesia local. O procedimento foi feito enquanto avaliavam Lunna. Pesou 3,310 kg, com 49cm e Apgar 10/10. Logo depois (foi essa a ordem dos acontecimentos?) me ofereceram um banho, que aceitei de bom grado, enquanto o papai tinha um tempinho sozinho com a cria.

Tanila me acompanhou, enquanto eu tomava banho sentada num banquinho (ou na banqueta? Não lembro). Ah! Mas eu quis um banho completo né? Lavei cabelo, passei condicionador, e nisso foi tempo. Tempo sem me alimentar direito, porque só quis comer depois do banho. Resultado? Um leve desmaio. Daí acordei, vi as caras brancas de Tanila e Marilena me apoiando, afirmei que estava tudo bem e desmaiei de novo, para desespero das presentes. Mas foi tudo rápido, eu acho.

Depois disso ligamos para as avós e fizemos a surpresa, mais emoção. Uma delícia essa parte de ligar para avisar as pessoas quando tudo terminou bem. Não tem mais a tensão, a incerteza do desfecho, é só alegria!