PUERPÉRIO
Amo. Hoje.
Mas quando estava no meio da tempestade eu só queria que acabasse logo, por mais que isso me parecesse uma ilusão vazia. Racionalmente o que eu acreditava era que não ia passar nunca. Louco, eu sei. Puerpério… Durou uns dois anos. Não na mesma intensidade dos primeiros meses, mas ainda disparava o coração quando eu me dava conta de que já estava há um tempo sem pensar na minha filha, tipo, meia hora. Puerpério é essa simbiose louca que evolutivamente garantia a sobrevivência da espécie. Por mais que hoje existam outras formas de garantir que o bebê sobreviva, ainda há função em ter algo instintivo que nos impede de abandonar tudo e voltar pra roda-viva do mundo, porque olha, às vezes a vontade de fazer isso bate forte.
Quando já estava numa fase mais tranquila e voltando à vida normal, oferecemos no Coaracy um evento para casais grávidos e eu fui como psicóloga falar de puerpério. Puerperando. Era tipo combo: pague pela teoria e assista acontecer na prática.
Tentava encontrar uma metáfora que aproximasse as pessoas da sensação, para que se tivesse uma experiência avassaladora soubessem que é assim mesmo, está tudo bem. Nada me parecia mais representativo do que a sensação de afogamento. Era a sensação física que eu tinha no início do puerpério. Pressão no peito, falta de oxigênio. Quando conseguia respirar, vinha outra série de ondas para me tirar o ar novamente.
Ondas! Era essa a metáfora! Joguei no google, no youtube, procurava imagens para os slides, até me deparar com essa reportagem do acidente da surfista Maya Gabeira nas ondas gigantes de Nazaré. Era isso! Assistam o vídeo e voltem aqui. https://m.youtube.com/watch?v=1ZZC4nYXGtA&feature=youtu.be
Tiveram uma sensação desesperadora? De começar a tirar a cabeça da água para respirar e se deparar com mais uma onda? Agora imagina passar um dia inteiro lidando com um bebê choroso, que só você pode acalmar, mas você não sabe como, não sabe se ele está doente e pode morrer (sim, temos medo de não dar conta da sobrevivência de outra pessoa) ou se são só cólicas. Inclusive você leu que o bebê chora o que a mãe rejeita sentir, e daí você tem mais vontade de chorar, mas precisa acalmar o bebê, porque ali ele só tem a você. Chega a noite, mas não o descanso, acorda a cada hora, ou nem dorme. No dia seguinte tudo se repete. Também é desesperador. E esse é só um exemplo.
As pessoas tentam ajudar, te alcançar, jogam corda, mas nunca saberão o que você está sentindo. Nunca se aproximarão desse processo que é só seu e do bebê. Uma sensação de solidão indescritível. Quem te apoia depende de um esforço que você ainda não é capaz de fazer naquele momento. O vínculo com o bebê é a única “corda” que precisa ser agarrada, mas como fazer isso sem conseguir respirar?
É difícil uma pessoa sozinha tirar um afogado do mar. O socorrista precisou de ajuda. Também é difícil uma pessoa sozinha apoiar uma puérpera. Quando Maya consegue sair, chega a ser engraçado como as ondas continuam arrastando todo mundo que está por perto. Não, não é fácil. “É necessária toda uma vila para criar uma criança”, desde o puerpério.
Mas ninguém ali desistiu. E sabe o que? Ela ficou bem. É isso o que eu amo no puerpério. Ele te desafia, te desconstrói, e consegue fazer de você ainda mais forte para enfrentar as muitas ondas que a maternidade traz.