Como acalmar o bebê sem o peito (e sem chupeta)

Antes eu preciso explicar por que se haveria de querer acalmar o bebê sem dar de mamar, que é a solução mais simples, rápida, muitas vezes efetiva e sem contra-indicação. Dou alguns exemplos. 

  • Um mamilo que está ferido, precisando se recuperar, pode ser poupado por um tempo apenas para as mamadas de nutrição.
  • Uma produção alta e um bebê que ainda não sabe manejar só a sucção não-nutritiva: acaba saindo muito leite toda vez que vai ao peito, e o bebê fica golfando o tempo todo. Não é um problema, mas pode ser incômodo. 
  • A pessoa que amamenta quer / precisa descansar. “O QUÊ? Como assim? Se o bebê fica ótimo mamando, por que essa pessoa não se sacrifica e dá o peito toda santa vez ao invés de querer ir no banheiro / dar uma volta no quarteirão / fazer yoga / responder aquele email do trabalho?”.  Como eu posso responder essa?… Porque antes de ser alguém que amamenta, ela ainda é uma pessoa. 
  • Outro cuidador (o pai ou a outra mãe) também quer participar ativamente. Legítimo quando é alguém que se implica ativamente para exercer a função de cuidado, tanto do bebê quanto da pessoa que amamenta. Mas aqui não se enquadra o tipo “esse-bebe-ta-viciado-no-peito-dá-aqui-que-eu-vou-deixar-ali-chorando-pra aprender”. Se você é essa pessoa, apenas continue lendo para não passar por ignorante e melhore.   

Agora que já sabemos que é importante saber acalmar o bebê sem peito, quando o que ele sente não é fome, vamos aprender o que fazer.

Primeiro: entenda o choro

Quando o bebê chora dispara um alarme no nosso cérebro (1). Isso é um função evolutiva de quando nós, humanos, corríamos muitos perigos, vivendo nas florestas, à merce de predadores. Hoje é um pouco diferente. Dificilmente este bebe estará em risco de morte quando chora, concorda? Então quando ouvir o bebê chorar, respira, ele não vai morrer. 

Mas o choro do bebê é um aviso sim de que ele precisa ter alguma demanda atendida.  E pasme: nem sempre é fome ou cólica / gases (pode admitir que você sempre pensa logo nisso). Quando é fome, só vai resolver com leite mesmo, geralmente no peito, mas pode ser eventualmente no copinho, colherzinha… Em todas as outras vezes em que não for fome, existem outras formas de como acalmar o bebê. 

Veja que eu digo atender as demandas e não calar o choro da criança. Para atender a demanda eu investigo: está com fralda suja? Está com a temperatura desconfortável? Tem algo incomodando na roupa? Quer arrotar? Está cansado? Ou só angustiado porque nasceu sob um sistema capitalista e um governo genocida? Para cada demanda, uma forma de atender. 

Tentar entender e atender ao choro é o primeiro exercício de comunicação com o bebê que você está praticando. Decida se você quer ser a pessoa que entende ou que manda seu filhe calar a boca (dar chupeta pode ser o mesmo que mandar calar a boca). Se decide entender, se acalma primeiro: bebês choram. Dependendo da idade, é a única forma de comunicação que conhecem. E um bebê que chora acolhido por um adulto que está tentando atender sua demanda não terá os prejuízos de um bebê que chora abandonado. Falei mais sobre o choro do bebê nesta live

Segundo: saiba o que não fazer

 a) Não entrar em desespero.

Respire profundamente e avise pro seu cérebro que está tudo bem, que o bebê não está em risco. 

b) Não deixar chorando abandonado.

Algumas vezes vai acontecer de não conseguir atender imediatamente ao bebê e tudo bem. Não precisa, por exemplo, dar o subtotal no número dois no banheiro, só porque o bebê começou a chorar. Inclusive estas faltas eventuais vão fazendo ele entender que é uma pessoinha separada dos outros. Mas isso não deve ser feito deliberadamente. O bebê não vai aprender a dormir sozinho,  a se acalmar sozinho,  porque foi deixado chorando sozinho. Isso só vai fazer elevar os níveis de cortisol (hormônio do estresse) e ensinar que não adianta ele chorar, que suas demandas não serão atendidas: chama-se desamparo aprendido (2). 

c) Não dar chupeta. 

Eu sei que seria o mais fácil. O bebê se acalma mais fácil sugando qualquer coisa mesmo. Mas pense que além de todos os prejuízos na formação orofacial que a chupeta traz (3), tem riscos para a amamentação e você perde grandes oportunidades de entender o que o bebê está informando com o choro. De novo: você quer ser a pessoa que entende ou que apenas cala a criança?

Terceiro: Conheça os bebês

 É muito importante saber que os bebês humanos nascem imaturos. Diferente de outros mamíferos, os humanos nascem incapazes de sobreviver sozinhos. Existe uma teoria (contestada por alguns antropólogos) chamada  dilema obstétrico explica que quando evoluímos para o bipedalismo, reduzindo o espaço da pelve, e com o desenvolvimento cognitivo que aumentou o tamanho do cérebro, houve a desproporção entre o cérebro e a pelve (cefalo-pélvica) e sobreviviam os bebes que nasciam menores, logo, mais imaturos. O desenvolvimento seria completado fora do útero. 

Seja essa ou não a explicação, fato é que, diferente de outros animais que já nascem com a capacidade de andar e encontrar comida, o bebê humano, se abandonado, morrerá. Não é capaz de segurar a cabeça, não tem coordenação motora, não enxerga muito bem… Nascendo assim tão imaturo, outras características foram sendo selecionadas para garantir a sobrevivência. Uma dessas características é a pele como um órgão sensorial riquíssimo. O toque significa para os primatas que estão sendo cuidados e isso permite a liberação de dopamina, serotonina, ocitocina, endorfinas, hormônios de crescimento e reduz os seus indicadores de estresse, como o cortisol (4, 5). Níveis altos de cortisol atrapalham a imunidade, inclusive. Sabe o que isso significa? Que COLO é algo MUITO IMPORTANTE para os bebês.

Infelizmente vivemos numa cultura e num sistema que não valorizam isso. Pelo contrário, valorizam a independência dos bebes para que os adultos possam logo voltar a “produzir”. Como se o trabalho de cuidar de uma nova pessoa (que inclusive será a força de trabalho e o consumidor do futuro) não fosse deveras importantíssima. Vejam esse post. Enfim… A hipocrisia.

Mas voltando… O colo é sim o habitat natural do bebê. Não podemos desconsiderar isso, só porque vivemos numa cultura que não é, digamos, amigável a esta prática. E que não permite que as crianças sejam plenamente acolhidas sem sobrecarregar as pessoas que amamentam. 

Ideal: cuidadores com licença parental remunerada de um ano, a ser dividida. 

Realidade: divisão dos cuidados sempre que possível. Ou seja, uma redução de danos. 

E para que os cuidados sejam divididos, há que se saber formas de acalmar o bebê sem o peito. Ao que partimos para o que importa: como fazer isso? Atendendo às demandas mais objetivas (troca de fralda, colocar para arrotar, deixar em temperatura agradável, observar se algo incomoda na roupa…) e para as demandas mais subjetivas: práticas de exterogestação.

Quarto: Abuse da exterogestação

Já sabemos que os bebês nascem imaturos e, ao menos no primeiro trimestre, o ideal seria que ainda estivessem dentro do útero. As condições do útero eliciam o reflexo calmante.
Podemos então simular as condições do útero para que o bebê se sinta “em casa”.O que há no útero?

  • Contato constante. A pele do bebê está sempre estimulada. 
  • Contenção. O bebê não se sente solto no espaço, tem os movimentos sempre contidos. 
  • Contingência. Tem todas as suas demandas atendidas fisiologicamente, recebe oxigênio e nutrição pelo cordão umbilical. Não sabe o que é fome ou sede. 
  • Movimento. A pessoa que está gestando nunca fica muito tempo parada, nem quando está dormindo né? E o bebê também se movimenta muito no liquido aminiotico. 
  • Ruídos. Tanto os barulhos externos, quando os ruídos do líquido, dos órgãos… 

Percebam que o bebê no colo mamando pode ter todas essas condições atendidas. Mas o nosso objetivo aqui é saber como acalmar o bebê sem o peito, lembra? Então vamos ver que outras práticas podem simular essas características do útero e do colo da pessoa que amamenta?

  • Colo: O colo de outra pessoa só não vai ter o peito. Mas pode segurar o bebê pele a pele com os membros bem agrupados, feito um pacotinho (contato e contenção). Ninar (movimento), fazer chiado com a boca (ruído) ou usar um aplicativo ou playlist de ruído branco. Como o bebê está ali pertinho, a contingência de perceber outra demanda também está facilitada.
  • Sling: Outro combo completo, e ainda libera as mãos e o peso, para passeios maiores. 
  • Banho de balde: Apesar de não ser prático e não dar pra fazer toda hora, uma vez por dia pode operar milagres. Além do combo completo de contato, contenção, contingência, movimento e ruído, ainda tem o plus da sensação aquática. 
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  • Shantala: assim como o banho de balde, também não é tão prático, mas é muito gostoso. Tem contato, contingência, movimento, ruído. 
  • 5S: é uma técnica desenvolvida por Harvey Karp (6) que consiste em cinco passos para recriar o ambiente do útero para os bebês. 1 – Swaddle (envolver) 2 – Side position (colocar de lado) 3 – Shush (ruído) 4 – Swing (balanço na vertical) e 5 – Suck (sucção).

Como estamos aqui falando de outras pessoas acalmarem o bebê, não poderíamos contar com a sucção no peito. O método original cita a chupeta, mas né? Não achamos interessante. Mas pode ir de 4´S, sem a parte da sucção, que dá bom também. (7)


Viu quantas formas de acalmar o bebê sem precisar amamentar? Espero que este conteúdo seja útil para que os bebês possam ser atendidos da melhor forma possível, sem sobrecarregar ainda mais as pessoas que amamentam. 

Referências

1 – Arnal, L. H., Flinker, A., Kleinschmidt, A., Giraud, A. L., & Poeppel, D. (2015). Human screams occupy a privileged niche in the communication soundscape. Current biology : CB, 25(15), 2051–2056. https://doi.org/10.1016/j.cub.2015.06.043
2 –  Ferreira, Darlene Cardoso, & Tourinho, Emmanuel Zagury. (2013). Desamparo aprendido e incontrolabilidade: relevância para uma abordagem analítico-comportamental da depressão. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 29(2), 211-219. https://doi.org/10.1590/S0102-37722013000200010
3 –  Schmid, K.M., Kugler, R., Nalabothu, P. et al. The effect of pacifier sucking on orofacial structures: a systematic literature review. Prog Orthod.19, 8 (2018). https://doi.org/10.1186/s40510-018-0206-4
4 – Montagu, A. Touching: The Human Significance of the Skin. Columbia University Press, New York, New York (1971)
5 – Jablonski, Nina G. Social and affective touch in primates and its role of skin in the evolution of social cohesion, Neuroscience, (2020). (http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0306452220307405)
6 –  Karp H. The Happiest Baby on the Block − The New Way to Calm Crying and Help Your Baby Sleep Longer. In: U.S: The Happiest Baby Inc., 2006.
7 –  Setiyorini, E. The effect 4s’s technique to physiological and behavioralresponses on newborn. Publicado nos anais da 1a Conferência Internacional de Enfermagem. Indonésia (2015). (https://www.stikeshangtuah-sby.ac.id/wp-content/uploads/2017/04/Proceeding-INC-1st-STIKES-Hang-Tuah-sby.pdf#page=87)